terça-feira, 13 de novembro de 2012

Manifesto atualizado no dia 9 de novembro


A PPP bilionária dos resíduos sólidos não atende os interesses da população do Distrito Federal
A pretexto de solucionar os problemas da limpeza pública, o GDF está preparando uma Parceria Público-Privada para gerir os “sistemas de coleta, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos” do Distrito Federal por um prazo de 30 anos, prorrogável por mais cinco, ao custo de R$ 11,7 bilhões.
A Resolução n° 51 do Conselho Gestor de PPP (CGP), vinculado à Secretaria de Estado de Governo, autorizou a Companhia Paulista de Desenvolvimento (CPD) a desenvolver estudos de viabilidade e modelagens técnica e financeira para essa proposta, os quais foram analisados e aprovados com pequenas ressalvas por uma comissão de servidores destacados para este fim, oriundos das Secretarias de Governo, Casa Civil e Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos.
Sem divulgar esses estudos previamente, como seria de esperar em um processo democrático e transparente, a Secretaria de Governo convocou uma audiência pública para discutir a proposta para o dia 10 de outubro passado. Mobilizados por informações de que o projeto significaria a extinção do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) e adotaria o tratamento por incineração, dezenas de servidores daquela autarquia e centenas de catadores cooperativados compareceram ao local da audiência, a Sala Alberto Nepomuceno do Teatro Nacional, que comporta apenas 80 pessoas. O excesso de lotação inviabilizou essa primeira audiência e uma segunda foi convocada para a segunda-feira, 12 de novembro próximo, às 14 horas, no auditório do Museu Nacional da República (próximo à catedral de Brasília). Apenas na semana anterior a essa audiência, a Secretaria de Governo disponibilizou os estudos de viabilidade da proposta e alguns de seus anexos, não tendo indicado porém na minuta do contrato os valores envolvidos.
A partir do dia 10 de outubro, os catadores, em protesto contra a opção dos incineradores, que ameaça o seu trabalho, bloquearam o funcionamento do lixão da Estrutural durante nove dias. O desbloqueio só ocorreu depois que a Secretaria Geral da Presidência intermediou conversações entre os representantes dos catadores e do GDF para a celebração de um acordo, com base nas seguintes propostas: descartar a incineração de resíduos; pagamento pelo GDF aos catadores pelos serviços de triagem e encaminhamento para reciclagem; construção dos galpões de triagem dos resíduos provenientes da coleta seletiva nos terrenos cedidos pela Secretaria do Patrimônio da União às cooperativas dos catadores; e contratação das associações de catadores para realizar sem licitação (conforme previsão da Lei 8.666) os serviços de coleta seletiva relativos a um dos quatro lotes do sistema de coleta seletiva a serem contratados pelo SLU.
Embora os estudos técnicos da PPP não tenham sido divulgados antes da primeira audiência, as entidades responsáveis pelo presente parecer tiveram acesso a eles oficiosamente. Esta  crítica preliminar, orientada pelo interesse público, pelo respeito ao meio ambiente e em favor da inclusão social, é fruto do esforço de um conjunto numeroso de cidadãos e profissionais especializados – líderes dos catadores cooperativados de resíduos sólidos, jornalistas, engenheiros, advogados, economistas e ambientalistas.
Após o fracasso da audiência pública do dia 10 de outubro, o GDF recuou em dois pontos: trocou a Novacap como titular da contratação da PPP e admitiu que não mais adotará o sistema de tratamento de lixo “por via térmica”, isto é, por incineração. Mas essa opção continua constando no item 1.5 da página 4 do projeto básico divulgado pela Secretaria de Governo uma semana antes da segunda audiência.
A proposta da PPP dos Resíduos Sólidos, que também é objeto de consulta pública com prazo fixada até o dia 8 de novembro e prorrogado para 10 de dezembro, está eivada de ilegalidades; agride critérios técnicos elementares, ou apresenta soluções condenáveis; sua modelagem econômico-financeira não apresenta orçamentos minimamente sérios ou críveis; seu prazo de execução, de 30 anos mais cinco, é exagerado; e seu custo, da ordem de R$ 12 bilhões, ultrapassa os limites da razoabilidade e da responsabilidade da administração pública e, com certeza, será repassado para a população por meio de aumento significativo na Taxa de Limpeza Pública (TLP).
Esta proposta embute ainda custos sociais monstruosos. Em vez de controlar, aprofunda a privatização dos serviços e aponta para a extinção do Serviço de Limpeza Urbana (SLU/DF) a curto prazo. A coleta seletiva, tal como consta dos estudos finalmente divulgados, está focada apenas no Plano Piloto, uma discriminação sem sentido que traria graves prejuízos ao trabalho dos catadores de materiais recicláveis. No caso dos resíduos sólidos de serviços de saúde, a proposta estatiza despesas que são de responsabilidade dos estabelecimentos privados. E também atropela os esforços para implantar a gestão dos resíduos sólidos urbanos por meio de parceria do Distrito Federal com o Estado de Goiás e os municípios goianos do Entorno, cujos encaminhamentos já se encontram em fase adiantada.
Em resumo, esta proposta de PPP não atende o interesse público nem aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, transparência e eficiência que a administração pública deve obedecer, nos termos do artigo 37 da Constituição Federal.
Uma proposta cheia de ilegalidades
A proposta desobedece a vários preceitos legais:
- Não observa que o resíduo sólido reutilizável e reciclável é um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor da cidadania, de acordo com o art.6º, inciso VIII, da Lei 12.305/2010;
- Não observa o art. 9º, parágrafo 1º, da mesma lei, o qual estabelece que somente poderão ser utilizadas tecnologias visando à recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos, que tenham comprovada a sua viabilidade técnica e ambiental, com a implantação de programa de monitoramento de emissão de gases tóxicos, ficando qualquer processo de recuperação energética restrito à "fração dos rejeitos".
- Não prevê, de modo explícito, como exigido pela Lei 11.445/2007, a entidade reguladora e os mecanismos da regulação e fiscalização da qualidade e dos custos dos serviços objeto da concessão.
- Na primeira minuta do contrato, divulgado antes da audiência pública do dia 10 de outubro, atribuía à Novacap a responsabilidade da contratação dos serviços a serem concedidos, sem que sem que a companhia tivesse competência legal para isso. Essa competência é atribuída pela Lei Distrital 4.285/2008 (parágrafo 5° do art. 47) à Adasa. Após o fracasso da audiência pública, a titularidade foi mudada para o Distrito Federal.
- Não observa o disposto no parágrafo 2° do art. 47 da mesma Lei, que veda a concessão dos serviços de limpeza de vias e logradouros públicos (varrição) e de coleta, remoção e transporte de resíduos sólidos domiciliares.
- Usurpa atribuições do Serviço de Limpeza Urbana (SLU/DF), previstas no art. 46 da Lei Distrital N° 4.285/2008, que reestrutura a Agência Reguladora de Águas e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), e no art. 3° da Lei Distrital 4.518/2.010, que dispõe sobre a denominação, a finalidade, as competências e a reestruturação administrativa do SLU/DF.
- Não se baseia no Plano Diretor de Resíduos Sólidos do DF, aprovado pelo Decreto 29.399/2008, cujo processo de revisão para sua adequação à Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010) encontra-se em andamento; fere assim as disposições do parágrafo primeiro do art. 47 da Lei Distrital 4.285/2008, que exigem o planejamento com participação social desses serviços antes que tenham sua prestação delegada a terceiros.
- Prevê que o GDF assuma os custos da coleta, transporte, tratamento e disposição final de resíduos sólidos de serviços de saúde (RSS) gerados pelos estabelecimentos privados. Assim, atropela o princípio do "poluidor pagador", previsto no art. 225 da Constituição Federal, bem como no art. 3° da Resolução n° 358/2005, do Conama. A única obrigação do GDF deve ser a de pagar os custos do tratamento dos RSS dos estabelecimentos públicos de saúde.
Monopólio: todos os ovos na mesma cesta por 30 anos
A proposta prevê que o parceiro privado assumirá todos os serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos, inclusive os que exigem pouquíssimos investimentos, como é o caso da varrição manual e da própria coleta, convencional ou seletiva. Não faz sentido outorgar via PPP esse tipo de serviço por 30 anos, renovável por mais cinco, a um parceiro privado que terá garantido um monopólio econômico não natural.
Esta constatação é tão evidente que, nos estudos de viabilidade, examina-se um cenário alternativo que não inclui a varrição manual (cenário, aliás, descartado na minuta de edital sem maiores justificativas). É pela mesma razão que a Lei Distrital 4.285/2008 veda a concessão dos serviços de limpeza de vias e logradouros públicos (varrição) e de coleta, remoção e transporte de resíduos sólidos domiciliares, conforme antes mencionado.
A proposta atropela o Protocolo de Intenções firmado entre o DF, Goiás e 20 Municípios goianos, que já foi ratificado legalmente por quase todos esses entes, com a finalidade de instituir o Consórcio Público de Manejo de Resíduos Sólidos e de Águas Pluviais da Região Integrada do Distrito Federal e Goiás. Dessa forma, o DF abre mão, por 35 anos, de buscar soluções integradas mais econômicas em parceria com os municípios do Entorno.
Soluções técnicas caras e questionáveis
Os estudos de viabilidade desta PPP não trazem uma palavra sequer sobre metas de reciclagem dos resíduos sólidos domiciliares. Esta PPP não é um instrumento destinado a atender no DF as metas de reciclagem do Plano Nacional de Resíduos Sólidos. A proposta, quando aborda o tratamento e a disposição final dos resíduos domiciliares, prevê a adoção da questionável solução da incineração, a ser implantada na área do Aterro Sanitário Norte.
Questionável pelos impactos negativos no ambiente e na saúde pública, e também porque é a alternativa mais cara para tratamento de resíduos sólidos domiciliares.
É flagrantemente ilegal licitar um incinerador de lixo domiciliar sem projeto básico e sem orçamento
Nos estudos técnicos da PPP, está prevista em caráter de obrigação, por parte da concessionária, a apresentação de uma solução de recuperação energética a partir destes resíduos até o 24º mês da concessão. Este item, seus custos e suas receitas não foram contabilizados na modelagem financeira. Tampouco foi contabilizada a drástica redução no volume das operações de aterramento, ou seja, não se contabilizam as receitas oriundas da venda de energia, não se contabiliza o gasto evitado nas operações de aterramento, não se contabiliza o impacto social e ambiental negativos, ficando aberta a possibilidade de aditivo para aliviar o parceiro privado de realizar seus investimentos. A opção mais ou menos disfarçada pela incineração, ao não priorizar a coleta seletiva em todo o território do Distrito Federal e a reciclagem, desobedeceria à hierarquia prevista na Lei n° 12.305/2010.
O edital não informa o órgão responsável pela regulação, controle e fiscalização de serviços no valor de R$ 11,7 bilhões
Nos estudos técnicos, a coleta seletiva só foi dimensionada para o Plano Piloto, não contemplando de modo abrangente o Distrito Federal. Essa discriminação revela a diretriz adotada: em vez de reciclar, queimar matérias primas recicláveis. Não atendendo às diretrizes do Plano Diretor de Resíduos Sólidos do Distrito Federal, que prevê a implantação de um sistema de coleta seletiva em 100% (art. 8° do Decreto n° 29.399/2008), a proposta golpeia de maneira brutal o trabalho e a renda dos mais de três mil catadores que hoje asseguram a reciclagem no DF.
Apesar de impor um aumento significativo nos custos, como demonstrado a seguir, a proposta não traz qualquer garantia de melhoria nos serviços de limpeza urbana. Aliás, a minuta do edital não explicita qual órgão será responsável pela regulação, controle e fiscalização dos serviços que se pretende conceder.
O edital não informa o órgão responsável pela regulação, controle e fiscalização de serviços no valor de R$ 11,7 bilhões
O edital chega a tolerar que a concessionária, detentora de um contrato de R$11,7 bilhões, inicie as suas atividades utilizando na coleta caminhões com até cinco anos de uso.
Bilhões jogados no lixo
Os investimentos orçados nessa proposta são de R$ 770 milhões, valor que, por incrível que pareça, é pequeno se considerado que se trata de um contrato de prestação de serviços, por um único concessionário, no valor de R$ 11,7 bilhões. Ou seja, mais de R$ 390 milhões ao ano, durante 30 anos, que poderão ser prorrogados por mais cinco, situação em que este contrato poderá chegar a R$ 13,6 bilhões, a preços de hoje. Sem contar os custos da incineração.
Este contrato dará causa a um aumento das despesas com os serviços de limpeza urbana da ordem de R$ 200 milhões anuais ou 110%. O acréscimo das despesas nos primeiros quatro anos superará o valor dos investimentos privados previstos para os 30 anos.
Deve se registrar que o GDF alocou recursos no seu orçamento para a implantação do Aterro Sanitário Oeste e para a recuperação ambiental do Lixão da Estrutural, tendo já obtido a aprovação de financiamento internacional no âmbito do Programa Brasília Sustentável II junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Em resumo, a proposta em questão, em vez de fortalecer a capacidade técnica e administrativa do poder público no Distrito Federal, entrega a um monopólio privado a prestação desses serviços essenciais à saúde e ao ambiente do DF por pelo menos 30 anos. Sairão prejudicados os cidadãos brasilienses, que pagarão bem mais sem qualquer garantia de receber serviços melhores.
A influência política de quem presta esses serviços, que já se revelou extremamente danosa, estará sendo concentrada e ampliada na capital da República. O SLU será extinto. A reciclagem dos resíduos poderá ser substituída pela incineração, se o GDF não assumir formalmente um compromisso contrário. Se a incineração for adotada, os catadores, mais uma vez, vítimas de um negócio bilionário, serão condenados à miséria com a queima do material que garante seu sustento e a eliminação dos seus postos de trabalho. Mas este é assunto que interessa a toda a população do Distrito Federal.
Apoiam e divulgam este documento:
- Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – Seção Distrito Federal – ABES DF
- Associação Civil Alternativa Terrazul
- Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento – ASSEMAE
- Central de Cooperativas de Materiais Recicláveis do Distrito Federal – CENTCOOP
- Central de Movimentos Populares – CMP
- Confederação Nacional das Associações de Moradores – CONAM
- Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros – Fisenge
- Federação Nacional dos Urbanitários – FNU/CUT
- Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – FBOMS
- Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR
- Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – Pólis
- Sindicato dos Servidores e Empregados do Distrito Federal SINDSER